Sie sagen zu mir
schließ auf diese Tür
Die Neugier wird zum schrei
Was wohl dahinter sei
Hinter dieser Tür steht ein Klavier
Die Tasten sind staubig, die Saiten sind verstimmt
Ele senta no banco, estala os dedos e se põe a tocar.
A poeira levanta aos poucos e vai se dissipando naquele quarto enorme cheio de janelas que iam do chão ao teto.
Era possível ver uma paisagem linda a partir daquele piano.
Uma encosta. O mar ao fundo. As gaivotas voando, atravessando o sol que estava se pondo. Algumas poucas árvores justapostas.
O quarto, apesar de enorme, só tinha o piano, ao centro, e vários quadros nas paredes. O chão era todo quadriculado.
A música começava a se espalhar, primeiro pelo quarto, depois por todo aquele castelo.
Era forte, porém, dava para perceber que ao mesmo tempo era uma música triste.
Sie sagte zu mir
ich bleib immer bei dir
Doch es hatte nur den Schein
Sie spielt für mich allein
Ich goss ihr Blut ins Feuer meiner Wut
Ich verschloss die Tür man fragte nach ihr
Aquela música...
Quantas lembranças ela trazia...
Eles sempre a tocavam juntos...
Mas ela já não estava mais ali...
Ele lembrava de cada detalhe. Seus cabelos ondulados e dourados como o ouro. Sua pele macia branca. Seus olhos castanhos...
Ele lembrava como ela o tratava tão bem...
Ele lembrava como ela o protegera dos outros...
Ela era a única que o entendia...
Acima de tudo, ela era a única que o aceitava como ele era...
Ele não era normal... dentro dele habitava um outro ser... um ser que era mau... que odeia tudo e todos... um ser de uma insanidade gigantesca...
Ele lembrava...
O sangue escorria por suas mãos...
Os olhos dela foram se fechando aos poucos...
Seu corpo estava ficando frio...
Duas lágrimas escorreram de seus olhos...
Ela olhava fixamente para ele...
Não era um olhar de reprovação ou de repreensão...
Era um olhar calmo... de carinho... de ternura...
Ela ainda tentava pronunciar algumas coisas...
O sol já tinha se recolhido...
Nevava bastante naquela noite...
Alle Häuser sind verschneit
Und in den Fenstern Kerzenlicht
Dort liegen sie zu zweit
Und ich
Ich warte nur auf dich
"Eu espero por voce..."
Foram as ultimas palavras dela...
E essas palavras perfuraram, assim como sua faca momentos antes havia sido fincada no coração dela, o seu coração...
Foi então que ele percebeu o que tinha feito...
Foi então que ele percebeu que tudo aquilo fazia parte do plano dela para sua própria libertação...
O ser que morava dentro dele foi completamente destruido pelas palavras que ele acabara de ouvir...
A única pessoa naquele lugar que o compreendia...
No fim das contas só ela o entendera...
A música continuava a ser tocada...
A porta atras dele começa a ser forçada...
Mas ele não para de tocar...
Era chegada a hora...
Ich warte hier
Stirb nicht vor mir
Ele ouve vozes do outro lado da porta, apesar de estar tocando com toda a intensidade...
Ele sentia a fúria nas vozes...
Geöffnet ist die Tür ein wie sie schreien
Ich höre die Mutter flehen der Vater schlägt auf mich ein
Mais algumas batidas e a porta finalmente se abriu...
Ele sequer olhou para trás...
Não parava de tocar o piano...
Ele sabia que era chegada a hora...
Ele não podia parar de tocar...
As pessoas ficaram horrorizadas com aquele ser tocando o piano...
Mas a fúria de alguns era tanta que eles partiram para cima...
Ele podia ouvir o barulho das armas...
Du hast mich
Eles de fato o odiavam...
Ele havia tirado a vida daquela que eles consideravam sagrada...
A pérola daquele reino tinha sido assassinada por ele...
É lógico que eles o odiavam...
Mas ainda assim, ele não parou de tocar...
Ao contrário, apertava cada vez mais fortes nas teclas daquele piano...
Um sorriso lhe veio ao rosto, quando lembrou dela alguns anos antes...
Sah ein Mädchen ein Röslein stehen
Blühte dort in lichten Hönen
So sprach sie ihren Liebsten an
Ob er es ihr steigen kann
Sie will es und so ist es fein
So war es und so wird es immer sein
Sie will es und so ist es Brauch
Was sir will bekommt sie auch
Tiefe Brunnen muß man graben
Wenn man klares Wasser will
Rosenrot oh Rosenrot
Tiefe Wasser sind nicht still
Der Jüngling steigh den Berg mit Qual
Die Aussicht ist ihm sehr egal
Hat das Röslein nur im Sinn
Bringt es seiner Liebsten hin
O sorriso permaneceu mesmo após ele sentir que uma das espadas lhe havia cortado o braço...
Mas ainda assim ele continuava a tocar...
Era seu destino...
Aquela ela a sua hora...
Era chegado o momento...
Die Tränen greiser Kinderschar
Outro corte...
Dessa vez lhe atravessando a barriga...
Ele não para...
Seu sangue começa a escorrer nas brancas teclas do piano...
Ele não para...
Ele começava a delirar...
Mas não parava de tocar o piano...
Ele via um barco pequeno vindo em sua direção...
O barqueiro estava todo encapusado...
Ele lhe estendeu a mão...
Komm in mein Boot
ein Sturm kommt auf
und es wird Nacht
Wo willst du hin
so ganz allein
treibst du davon
Ele ainda não queria ir...
A música ainda não havia acabado...
Ele reune suas forças para continuar tocando...
Mas o barqueiro continua...
Wer hält deine Hand
wenn es dich
nach unten zieht
Ele sente a aguá batendo em suas pernas...
Seia aquilo apenas uma ilusão?
É lógico que sim...
Ele tinha que terminar de tocar a música...
Ele sentira mais uma espada lhe atravessando o corpo...
Estava quase no fim...
Sua missão estava quase concluída...
E o barqueiro continuava...
Komm in mein Boot
die Sehnsucht wird
der Steuermann
Komm in mein Boot
der beste Seemann
war doch ich
Jetzt stehst du da an der Laterne
hast Tränen im Gesicht
das Feuer nimmst du von der Kerze
die Zeit steht still und es wird Herbst
Seus dedos começavam as falhar...
Faltavam apenas algumas poucas notas...
Seu olhar já demonstrava a total ausência de vida...
Seu olhar estava profundo e direcionado ao vazio...
As pessoas estavam horrorizadas...
Como aquela aberração ainda continuava a tocar?
A ultima nota...
Seu dedo trêmulo segue em direção a ela...
Sua força se acabara...
A última tecla é, finalmente pressionada...
Ele finalmente segura a mão do barqueiro...
am Ende bleib ich doch alleine
die Zeit steht still
und mir ist kalt
Frio...
Tudo acabado...
Missão cumprida...
Frio...
No fim só restava a solidão ele dizia ao barqueiro...
Será mesmo? Questiona aquele que agora lhe conduzia por um mar sem fim e completamente envolto por uma densa névoa.
O barco para...
Ele sente seu coração bater mais e mais forte...
Ele levanta a cabeça e olha...
Era a encosta...
O castelo...
O dia estava amanhecendo...
As gaivotas voavam...
E sua amada o esperava de braços abertos...
Sie leben hinterm Sonnenschein
getrennt von uns unendlich weit
sie müssen sich an Sterne krallen (ganz fest)
Fim
Ps.: É isso que dá ficar escutando Rammstein
sexta-feira, 9 de julho de 2010
sexta-feira, 2 de julho de 2010
Home Theater
Era uma vez um "Era uma vez", que sequer chegou a ser um "Era uma vez"...
As 23:30 de um dia qualquer, de um mês qualquer, de um ano qualquer, em um lugar qualquer que fica dentro da terceira rocha partindo do sol. Aquele garoto era especial. Todos sabiam e diziam isso desde que ele surgira naquele lugar qualquer. Ele fora amado e protegido por todos. A medida que ia crescendo ele começava a sentir que, de fato, ele era especial. Ele sabia, lá no fundo, que ele não era como as outras pessoas. Ele era carinhoso. Não gostava nem nunca gostou de violência, apesar de de vez em quando não conseguir controlar seus impetos mais profundos. Ele sempre via o melhor das pessoas. Não tinha a capacidade de ver mau nelas. Para ele todos eram bons até que se provasse o contrário. Por causa disso ele acabou sendo aprisionado pelos que estavam a sua volta.
- Mãe, posso ir brincar?
- Não! O lado de fora é perigoso. Eles vão te pegar. Eles vão te maltratar. Aqui dentro voce está protegido. Lá fora não tem nada pra voce.
Aquela prisão era sufocante. Ele via as outras pessoas passando por uma janela. Ele tentava manter contato, mas ninguem ouvia. Seus protetores acabaram extrapolando suas funções e começaram a ser opressores. Mas ainda assim ele não tinha a capacidade de se revoltar. Ao contrário, ele sempre fazia tudo o que lhe era mandado. Sua visão acerca das coisas que estavam além da sua janela gradeada, era ingênua e completamente limitada.
- Mãe, posso ir brincar?
- Já te disse que não! Lá fora é perigoso. Brinca aqui dentro. Aqui voce está seguro. Aqui ninguem vai te fazer mau. Lá fora eles vão te pegar. O velho do saco vai te levar. Voce não deve jamais confiar nas pessoas lá de fora. Eles são perigosos.
As poucas vezes que ele saiu daquele quarto foi para visitar seus protetores mais distantes, que moravam num lugar proximo àquele lugar qualquer.
Um desses protetores o tratava muito bem. Ele gostava da companhia desse, ou melhor, dessa protetora. Certa vez, ela deu o avião de brinquedo que ele tanto sonhava em ter. Todo ultimo primeiro dia daquele grupo de dias, que multiplicados por 4 formavam um bloco com nome estranho, uns com mais dias que os outros, ele ia na casa dessa protetora no ponto central daquele lugar qualquer e passava o dia com ela. Naquela casa moravam ainda outros protetores, uns bem mais velhos, que ele acreditava serem os líderes dos protetores, pois eram tratados por todos os outros com muito respeito, mas moravam também outros protetores mais novos e brincalhões, e ainda tinham outros protetores que, assim como ele, visitavam aquele lugar naquele mesmo dia. Ele não sabia ao certo o porque daquela visita, mas ele gostava de poder sair do quarto de vez em quando e ele gostava mais ainda daquela protetora especial que morava naquele lugar.
- Seja sempre um bom garoto! Ela repetia isso diversas vezes.
Passados alguns conjuntos de blocos com nomes estranhos, sua protetora maior passou a lhe levar pra um lugar grande, com muitas pessoas de vários tamanhos, vestidas com roupas iguais, as quais, ao soar de uma sino, corriam e entravam nuns quartinhos pequenos e se sentavam olhando para frente, onde tinha um ser mais velho que não usava a mesma roupa que eles e que ou falava, ou escrevia com uma pedrinha branca, alguma coisa numa parede verde para que os que estavam sentados escrevessem em pequenos recipientes.
Ele estava assustado. Nunca tinha saído daquele quarto, não para um lugar desses.
- Não confie em ninguem. Eles são maus.
Ele não entendia o porque de estar sendo levado para aquele lugar. E aquilo se repetia todos os dias. Sua protetora maior ia com ele ate a entrada do quarto que tinham as outras pessoas com roupas inguais e as cadeiras para sentar, lhe dava um beijo na mão ou na testa e falava alguma coisa com a pessoa mais velha que depois ficava sozinha com eles falando um monte de coisas que ele não entendia e escrevendo um monte de coisas na parede verde com a pedrinha branca.
- Mãe, posso ir brincar?
- Não! Lá fora é perigoso. Eles vão te fazer mau. Vai estudar.
Passaram-se mais alguns blocos com nomes engraçados e de repente ele não foi mais levado para aquele lugar. Ele ficava em casa sem saber porque ele não ia mais para aquele lugar. Ele ficou sem ir por um período de um bloco com nome estranho, o que ficava no meio do conjunto de blocos que formavam um todo.
Nesse período, ele começou a ver mais e mais pessoas passando pela sua janela. Ele achava que, assim como ele, aquelas pessoas não precisavam ir para os lugares que normalmente iam nos outros períodos de blocos com nomes estranhos.
Sua vontade de estar do lado de fora aumentava cada vez mais, porém ele sabia que não podia contrariar sua protetora. Algumas vezes ele havia presenciado a ira dela, para com os outros. Ele tinha medo dela, apesar de ver o lado bom que ela tinha.
- Mãe, posso ir brincar?
- Não! Já te disse mil vezes que não. Vai estudar.
Aquele período acabou e ele foi levado novamente para aquele lugar. Ele quase não falava. Sua protetora dizia que ele só deveria falar com a pessoa mais velha que ficava em pé falando ou escrevendo na parede verde. Ele não sabia porque mas obedecia.
Aquele local era misterioso. Tudo funcionava a base de sinos. Tocava um sino e todos entravam nos quartinhos. Tocava mais uma vez e a pessoa mais velha saia e entrava outra no lugar e falava de outras coisas. Tocava mais uma vez e todos saiam. Ficavam correndo feito loucos pelos corredores daquele local grande e carregando umas malinhas coloridas cheias de comidas. Ele tinha uma também. Ele queria correr também, mas não podia. Sua protetora havia lhe dito que era pra ele se comportar para que ele não se sujasse. Tocava mais um sino e todos voltavam pro quartinho e entrava mais uma pessoa mais velha e já falava outras coisas diferentes das duas outras que havia entrado antes. Mais uma vez tocava e mais uma troca acontecia. Tocava uma ultima vez e todos iam embora, na maioria da vezes com seus dois protetores maiores.
- Mãe, eu quero essa!
- Não. Voce quer essa aqui e está acabado.
Aquilo tudo era muito estranho. Ele tinha um protetor maior, mas que ele via bem pouco. Ele não entendia direito porque sua protetora não morava com ele. Era mais estranho ainda pelo fato de que seus dois protetores maiores se davam bem...
- Mãe, posso ir brincar?
- Não.
Passados mais alguns períodos com nomes estranhos, a protetora que ele sempre visitava conversou com sua protetora maior e depois dessa conversa ele foi morar naquele lugar no centro do lugar qualquer. Parece que o protetor mais velho tinha ido fazer uma viagem para um lugar muito distante e todos os que moravam naquele lugar estavam tristes, principalmente a protetora que ele gostava e a protetora mais velha.
Ele não sabia porque ele tinha que ir, mas como ele gostava daquela protetora ele ficou feliz em ir.
Diferente do lugar onde ele ficava antes, aquele novo lugar era mais agitado. Ficava no centro daquele lugar qualquer. Na frente daquele lugar tinha uma rua muito movimentada. Carros passando a todo instante. Ele quase nçao tinha como ver pessoas passando e quando via elas passavam bem rápido, como se estivessem atrasadas.
Sua nova protetora maior lhe tratava muito bem. Ela só ficava zangada quando ele não queria estudar. Mas ele acabou gostando de morar lá.
- Tia, posso ir brincar?
- Só depois de estudar.
Sua nova protetora lhe levava para passear. Eles iam, no periodo que não tinha que ir pro local onde tocava os sinos, para um lugar que tinha água, muita água e elas faziam barulho quando caiam na terra. As vezes eles iam para um lugar que a água era marrom e com gosto estranho e outras vezes iam para onde ela era azul e salgada.
Era muito divertido. No final do período de 12 blocos com nomes estranhos ela montava uma árvore que ia até o teto e colocava um monte de enfeites nela e na base colocava vários presentes que só podiam ser abertos entre um dia e outro perto do final desse último bloco de nome estranho. E nessa mesma virada de dias eles faziam uma oração e comiam bastante. No último dia desse último bloco de nome estranho eles também faziam isso, só que no lugar de presentes, soltavam foguetes e desejavam um feliz novo período de 12 blocos com nomes estranhos.
Ele ficou naquele lugar por vários períodos com 12 blocos de nomes etranhos até que seu contato com seu protetor aumentou e com ele foi morar. Ainda que estivesse morando com seu protetor ele não deixava de ir pra casa das suas duas protetoras.
No período que ele ficou na casa da sua segunda protetora ele pode ver como as pessoas eram boas! Ele estava feliz e não tinha medo dos outros. Sempre amável com todos. Não brigava. Não discutia. Não retrucava. Mesmo quando já estava maior que sua protetora ele não brigava. Diferente da primeira, por quem ele tinha medo, a segunda ele tinha uma enorme admiração e respeito. Não que ele não amasse a primeira, mas a relação dele com a segunda foi mais intensa.
No periodo que ele ficou com seu protetor as coisas ficaram tensas. Ele estava descobrindo muita coisa dentro de si. Ele teve a certeza que não era como as outras pessoas. Ele confiava em todo mundo. Gostava de todo mundo. Coisas estranhas estavam acontecendo. Ele começou a sentir coisas que ele não sentia antes. Era tudo muito novo. Ele sentiu ódio pela primeira vez. Ele viu o mau nas pessoas pela primeira vez. Algumas pessoas se aproveitaram da sua bondade e o usaram até não poder mais. Ele ficou só. Ele ficou com medo. O periodo de ir pro local com sinos havia acabado. Ele tinha que fazer um teste. Não sabia ao certo o porque e pra que, mas ele tinha que fazer.
- Quero fazer prova pra ser aquela pessoa que é ela mas ao mesmo tempo pode ser um monte de outras pessoas e que fica em cima de um lugar com madeira e que fala para outras pessoas que estão sentadas e que se veste com várias roupas e se maqueia e no fim de tudo faz reverência pros que estão sentados, que por sua vez levantam e batem a mão direita na mão esquerda.
- Não! Voce vai fazer prova pra ser aquela pessoa que senta no meio e fica ouvindo as pessoas que estão sentadas nas pontas se acusando e no fim vai decidir qual delas está certa. Aquela que analisa um monte de papel e que desconsidera tudo, até a verdade, se ela não estiver escrita no papel. Aquela que vai decidir por sua íntima convicção mas que pode tender para um dos lados dependendo das pressões externas e que pode ser contrário ao que voce acredita por causa disso.
Todos diziam a mesma coisa. Eles deviam estar certos afinal. Ele fez a dita prova. Passou de primeira. Passou o equivalente a 5 vezes o período de 12 blocos com nomes estranhos sentado fingindo que estava gostando do que a pessoa mais velha que ficava em pé escrevendo na parede, agora branca, dizia.
Nesse tempo ele se sentia frustrado. Não estava feliz. As pessoas entravam em sua vida e saiam arrancando pedaços. Ele se decepcionou tantas vezes que passou a viver num mundo paralelo onde, nesse mundo, ele podia amar e ser amado, ele podia acreditar nas pessoas, podia acreditar que podia fazer o que queria e ser feliz. Nesse tempo a sua segunda protetora também teve que fazer a viagem para o lugar distante. O chão dele terminou de ruir. Seu único porto seguro estava longe. Ele se fechou mais ainda no seu mundo particular.
Nesse tempo ele também amou alguem, e, pra variar, se decepcionou. Esse alguem pisou nele até não poder mais. Ele ficou completamente destruido. Seu mundo particular estava finalmente lacrado. A única parte que faltava entrar nesse mundo, o seu coração, finalmente cedeu e ele se trancou lá dentro. Uma barreira gigantesca foi criada. Gigantesca para que ele que estava dentro não pudesse voltar pra fora e pros que estavam fora não pudessem pular pra dentro. No fim das contas sua primeira protetora estava certa. Do lado de fora era perigoso. As pessoas iam machucá-lo, como de fato fizeram. Do lado de dentro é seguro. O preço que ele pagou por se fechar tanto assim foi altíssimo, mas, na cabeça dele, a dor que ele sofreu do lado de fora foi tão grande quanto o preço que ele teve que pagar. Valia a pena.
Agora ele está preso lá dentro e ninguem conseguiu tirá-lo de lá.
- Mãe, não quero mais brincar...
As 23:30 de um dia qualquer, de um mês qualquer, de um ano qualquer, em um lugar qualquer que fica dentro da terceira rocha partindo do sol. Aquele garoto era especial. Todos sabiam e diziam isso desde que ele surgira naquele lugar qualquer. Ele fora amado e protegido por todos. A medida que ia crescendo ele começava a sentir que, de fato, ele era especial. Ele sabia, lá no fundo, que ele não era como as outras pessoas. Ele era carinhoso. Não gostava nem nunca gostou de violência, apesar de de vez em quando não conseguir controlar seus impetos mais profundos. Ele sempre via o melhor das pessoas. Não tinha a capacidade de ver mau nelas. Para ele todos eram bons até que se provasse o contrário. Por causa disso ele acabou sendo aprisionado pelos que estavam a sua volta.
- Mãe, posso ir brincar?
- Não! O lado de fora é perigoso. Eles vão te pegar. Eles vão te maltratar. Aqui dentro voce está protegido. Lá fora não tem nada pra voce.
Aquela prisão era sufocante. Ele via as outras pessoas passando por uma janela. Ele tentava manter contato, mas ninguem ouvia. Seus protetores acabaram extrapolando suas funções e começaram a ser opressores. Mas ainda assim ele não tinha a capacidade de se revoltar. Ao contrário, ele sempre fazia tudo o que lhe era mandado. Sua visão acerca das coisas que estavam além da sua janela gradeada, era ingênua e completamente limitada.
- Mãe, posso ir brincar?
- Já te disse que não! Lá fora é perigoso. Brinca aqui dentro. Aqui voce está seguro. Aqui ninguem vai te fazer mau. Lá fora eles vão te pegar. O velho do saco vai te levar. Voce não deve jamais confiar nas pessoas lá de fora. Eles são perigosos.
As poucas vezes que ele saiu daquele quarto foi para visitar seus protetores mais distantes, que moravam num lugar proximo àquele lugar qualquer.
Um desses protetores o tratava muito bem. Ele gostava da companhia desse, ou melhor, dessa protetora. Certa vez, ela deu o avião de brinquedo que ele tanto sonhava em ter. Todo ultimo primeiro dia daquele grupo de dias, que multiplicados por 4 formavam um bloco com nome estranho, uns com mais dias que os outros, ele ia na casa dessa protetora no ponto central daquele lugar qualquer e passava o dia com ela. Naquela casa moravam ainda outros protetores, uns bem mais velhos, que ele acreditava serem os líderes dos protetores, pois eram tratados por todos os outros com muito respeito, mas moravam também outros protetores mais novos e brincalhões, e ainda tinham outros protetores que, assim como ele, visitavam aquele lugar naquele mesmo dia. Ele não sabia ao certo o porque daquela visita, mas ele gostava de poder sair do quarto de vez em quando e ele gostava mais ainda daquela protetora especial que morava naquele lugar.
- Seja sempre um bom garoto! Ela repetia isso diversas vezes.
Passados alguns conjuntos de blocos com nomes estranhos, sua protetora maior passou a lhe levar pra um lugar grande, com muitas pessoas de vários tamanhos, vestidas com roupas iguais, as quais, ao soar de uma sino, corriam e entravam nuns quartinhos pequenos e se sentavam olhando para frente, onde tinha um ser mais velho que não usava a mesma roupa que eles e que ou falava, ou escrevia com uma pedrinha branca, alguma coisa numa parede verde para que os que estavam sentados escrevessem em pequenos recipientes.
Ele estava assustado. Nunca tinha saído daquele quarto, não para um lugar desses.
- Não confie em ninguem. Eles são maus.
Ele não entendia o porque de estar sendo levado para aquele lugar. E aquilo se repetia todos os dias. Sua protetora maior ia com ele ate a entrada do quarto que tinham as outras pessoas com roupas inguais e as cadeiras para sentar, lhe dava um beijo na mão ou na testa e falava alguma coisa com a pessoa mais velha que depois ficava sozinha com eles falando um monte de coisas que ele não entendia e escrevendo um monte de coisas na parede verde com a pedrinha branca.
- Mãe, posso ir brincar?
- Não! Lá fora é perigoso. Eles vão te fazer mau. Vai estudar.
Passaram-se mais alguns blocos com nomes engraçados e de repente ele não foi mais levado para aquele lugar. Ele ficava em casa sem saber porque ele não ia mais para aquele lugar. Ele ficou sem ir por um período de um bloco com nome estranho, o que ficava no meio do conjunto de blocos que formavam um todo.
Nesse período, ele começou a ver mais e mais pessoas passando pela sua janela. Ele achava que, assim como ele, aquelas pessoas não precisavam ir para os lugares que normalmente iam nos outros períodos de blocos com nomes estranhos.
Sua vontade de estar do lado de fora aumentava cada vez mais, porém ele sabia que não podia contrariar sua protetora. Algumas vezes ele havia presenciado a ira dela, para com os outros. Ele tinha medo dela, apesar de ver o lado bom que ela tinha.
- Mãe, posso ir brincar?
- Não! Já te disse mil vezes que não. Vai estudar.
Aquele período acabou e ele foi levado novamente para aquele lugar. Ele quase não falava. Sua protetora dizia que ele só deveria falar com a pessoa mais velha que ficava em pé falando ou escrevendo na parede verde. Ele não sabia porque mas obedecia.
Aquele local era misterioso. Tudo funcionava a base de sinos. Tocava um sino e todos entravam nos quartinhos. Tocava mais uma vez e a pessoa mais velha saia e entrava outra no lugar e falava de outras coisas. Tocava mais uma vez e todos saiam. Ficavam correndo feito loucos pelos corredores daquele local grande e carregando umas malinhas coloridas cheias de comidas. Ele tinha uma também. Ele queria correr também, mas não podia. Sua protetora havia lhe dito que era pra ele se comportar para que ele não se sujasse. Tocava mais um sino e todos voltavam pro quartinho e entrava mais uma pessoa mais velha e já falava outras coisas diferentes das duas outras que havia entrado antes. Mais uma vez tocava e mais uma troca acontecia. Tocava uma ultima vez e todos iam embora, na maioria da vezes com seus dois protetores maiores.
- Mãe, eu quero essa!
- Não. Voce quer essa aqui e está acabado.
Aquilo tudo era muito estranho. Ele tinha um protetor maior, mas que ele via bem pouco. Ele não entendia direito porque sua protetora não morava com ele. Era mais estranho ainda pelo fato de que seus dois protetores maiores se davam bem...
- Mãe, posso ir brincar?
- Não.
Passados mais alguns períodos com nomes estranhos, a protetora que ele sempre visitava conversou com sua protetora maior e depois dessa conversa ele foi morar naquele lugar no centro do lugar qualquer. Parece que o protetor mais velho tinha ido fazer uma viagem para um lugar muito distante e todos os que moravam naquele lugar estavam tristes, principalmente a protetora que ele gostava e a protetora mais velha.
Ele não sabia porque ele tinha que ir, mas como ele gostava daquela protetora ele ficou feliz em ir.
Diferente do lugar onde ele ficava antes, aquele novo lugar era mais agitado. Ficava no centro daquele lugar qualquer. Na frente daquele lugar tinha uma rua muito movimentada. Carros passando a todo instante. Ele quase nçao tinha como ver pessoas passando e quando via elas passavam bem rápido, como se estivessem atrasadas.
Sua nova protetora maior lhe tratava muito bem. Ela só ficava zangada quando ele não queria estudar. Mas ele acabou gostando de morar lá.
- Tia, posso ir brincar?
- Só depois de estudar.
Sua nova protetora lhe levava para passear. Eles iam, no periodo que não tinha que ir pro local onde tocava os sinos, para um lugar que tinha água, muita água e elas faziam barulho quando caiam na terra. As vezes eles iam para um lugar que a água era marrom e com gosto estranho e outras vezes iam para onde ela era azul e salgada.
Era muito divertido. No final do período de 12 blocos com nomes estranhos ela montava uma árvore que ia até o teto e colocava um monte de enfeites nela e na base colocava vários presentes que só podiam ser abertos entre um dia e outro perto do final desse último bloco de nome estranho. E nessa mesma virada de dias eles faziam uma oração e comiam bastante. No último dia desse último bloco de nome estranho eles também faziam isso, só que no lugar de presentes, soltavam foguetes e desejavam um feliz novo período de 12 blocos com nomes estranhos.
Ele ficou naquele lugar por vários períodos com 12 blocos de nomes etranhos até que seu contato com seu protetor aumentou e com ele foi morar. Ainda que estivesse morando com seu protetor ele não deixava de ir pra casa das suas duas protetoras.
No período que ele ficou na casa da sua segunda protetora ele pode ver como as pessoas eram boas! Ele estava feliz e não tinha medo dos outros. Sempre amável com todos. Não brigava. Não discutia. Não retrucava. Mesmo quando já estava maior que sua protetora ele não brigava. Diferente da primeira, por quem ele tinha medo, a segunda ele tinha uma enorme admiração e respeito. Não que ele não amasse a primeira, mas a relação dele com a segunda foi mais intensa.
No periodo que ele ficou com seu protetor as coisas ficaram tensas. Ele estava descobrindo muita coisa dentro de si. Ele teve a certeza que não era como as outras pessoas. Ele confiava em todo mundo. Gostava de todo mundo. Coisas estranhas estavam acontecendo. Ele começou a sentir coisas que ele não sentia antes. Era tudo muito novo. Ele sentiu ódio pela primeira vez. Ele viu o mau nas pessoas pela primeira vez. Algumas pessoas se aproveitaram da sua bondade e o usaram até não poder mais. Ele ficou só. Ele ficou com medo. O periodo de ir pro local com sinos havia acabado. Ele tinha que fazer um teste. Não sabia ao certo o porque e pra que, mas ele tinha que fazer.
- Quero fazer prova pra ser aquela pessoa que é ela mas ao mesmo tempo pode ser um monte de outras pessoas e que fica em cima de um lugar com madeira e que fala para outras pessoas que estão sentadas e que se veste com várias roupas e se maqueia e no fim de tudo faz reverência pros que estão sentados, que por sua vez levantam e batem a mão direita na mão esquerda.
- Não! Voce vai fazer prova pra ser aquela pessoa que senta no meio e fica ouvindo as pessoas que estão sentadas nas pontas se acusando e no fim vai decidir qual delas está certa. Aquela que analisa um monte de papel e que desconsidera tudo, até a verdade, se ela não estiver escrita no papel. Aquela que vai decidir por sua íntima convicção mas que pode tender para um dos lados dependendo das pressões externas e que pode ser contrário ao que voce acredita por causa disso.
Todos diziam a mesma coisa. Eles deviam estar certos afinal. Ele fez a dita prova. Passou de primeira. Passou o equivalente a 5 vezes o período de 12 blocos com nomes estranhos sentado fingindo que estava gostando do que a pessoa mais velha que ficava em pé escrevendo na parede, agora branca, dizia.
Nesse tempo ele se sentia frustrado. Não estava feliz. As pessoas entravam em sua vida e saiam arrancando pedaços. Ele se decepcionou tantas vezes que passou a viver num mundo paralelo onde, nesse mundo, ele podia amar e ser amado, ele podia acreditar nas pessoas, podia acreditar que podia fazer o que queria e ser feliz. Nesse tempo a sua segunda protetora também teve que fazer a viagem para o lugar distante. O chão dele terminou de ruir. Seu único porto seguro estava longe. Ele se fechou mais ainda no seu mundo particular.
Nesse tempo ele também amou alguem, e, pra variar, se decepcionou. Esse alguem pisou nele até não poder mais. Ele ficou completamente destruido. Seu mundo particular estava finalmente lacrado. A única parte que faltava entrar nesse mundo, o seu coração, finalmente cedeu e ele se trancou lá dentro. Uma barreira gigantesca foi criada. Gigantesca para que ele que estava dentro não pudesse voltar pra fora e pros que estavam fora não pudessem pular pra dentro. No fim das contas sua primeira protetora estava certa. Do lado de fora era perigoso. As pessoas iam machucá-lo, como de fato fizeram. Do lado de dentro é seguro. O preço que ele pagou por se fechar tanto assim foi altíssimo, mas, na cabeça dele, a dor que ele sofreu do lado de fora foi tão grande quanto o preço que ele teve que pagar. Valia a pena.
Agora ele está preso lá dentro e ninguem conseguiu tirá-lo de lá.
- Mãe, não quero mais brincar...
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