sexta-feira, 2 de julho de 2010

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Era uma vez um "Era uma vez", que sequer chegou a ser um "Era uma vez"...
As 23:30 de um dia qualquer, de um mês qualquer, de um ano qualquer, em um lugar qualquer que fica dentro da terceira rocha partindo do sol. Aquele garoto era especial. Todos sabiam e diziam isso desde que ele surgira naquele lugar qualquer. Ele fora amado e protegido por todos. A medida que ia crescendo ele começava a sentir que, de fato, ele era especial. Ele sabia, lá no fundo, que ele não era como as outras pessoas. Ele era carinhoso. Não gostava nem nunca gostou de violência, apesar de de vez em quando não conseguir controlar seus impetos mais profundos. Ele sempre via o melhor das pessoas. Não tinha a capacidade de ver mau nelas. Para ele todos eram bons até que se provasse o contrário. Por causa disso ele acabou sendo aprisionado pelos que estavam a sua volta.
- Mãe, posso ir brincar?
- Não! O lado de fora é perigoso. Eles vão te pegar. Eles vão te maltratar. Aqui dentro voce está protegido. Lá fora não tem nada pra voce.
Aquela prisão era sufocante. Ele via as outras pessoas passando por uma janela. Ele tentava manter contato, mas ninguem ouvia. Seus protetores acabaram extrapolando suas funções e começaram a ser opressores. Mas ainda assim ele não tinha a capacidade de se revoltar. Ao contrário, ele sempre fazia tudo o que lhe era mandado. Sua visão acerca das coisas que estavam além da sua janela gradeada, era ingênua e completamente limitada.
- Mãe, posso ir brincar?
- Já te disse que não! Lá fora é perigoso. Brinca aqui dentro. Aqui voce está seguro. Aqui ninguem vai te fazer mau. Lá fora eles vão te pegar. O velho do saco vai te levar. Voce não deve jamais confiar nas pessoas lá de fora. Eles são perigosos.
As poucas vezes que ele saiu daquele quarto foi para visitar seus protetores mais distantes, que moravam num lugar proximo àquele lugar qualquer.
Um desses protetores o tratava muito bem. Ele gostava da companhia desse, ou melhor, dessa protetora. Certa vez, ela deu o avião de brinquedo que ele tanto sonhava em ter. Todo ultimo primeiro dia daquele grupo de dias, que multiplicados por 4 formavam um bloco com nome estranho, uns com mais dias que os outros, ele ia na casa dessa protetora no ponto central daquele lugar qualquer e passava o dia com ela. Naquela casa moravam ainda outros protetores, uns bem mais velhos, que ele acreditava serem os líderes dos protetores, pois eram tratados por todos os outros com muito respeito, mas moravam também outros protetores mais novos e brincalhões, e ainda tinham outros protetores que, assim como ele, visitavam aquele lugar naquele mesmo dia. Ele não sabia ao certo o porque daquela visita, mas ele gostava de poder sair do quarto de vez em quando e ele gostava mais ainda daquela protetora especial que morava naquele lugar.
- Seja sempre um bom garoto! Ela repetia isso diversas vezes.
Passados alguns conjuntos de blocos com nomes estranhos, sua protetora maior passou a lhe levar pra um lugar grande, com muitas pessoas de vários tamanhos, vestidas com roupas iguais, as quais, ao soar de uma sino, corriam e entravam nuns quartinhos pequenos e se sentavam olhando para frente, onde tinha um ser mais velho que não usava a mesma roupa que eles e que ou falava, ou escrevia com uma pedrinha branca, alguma coisa numa parede verde para que os que estavam sentados escrevessem em pequenos recipientes.
Ele estava assustado. Nunca tinha saído daquele quarto, não para um lugar desses. 
- Não confie em ninguem. Eles são maus.
Ele não entendia o porque de estar sendo levado para aquele lugar. E aquilo se repetia todos os dias. Sua protetora maior ia com ele ate a entrada do quarto que tinham as outras pessoas com roupas inguais e as cadeiras para sentar, lhe dava um beijo na mão ou na testa e falava alguma coisa com a pessoa mais velha que depois ficava sozinha com eles falando um monte de coisas que ele não entendia e escrevendo um monte de coisas na parede verde com a pedrinha branca.
- Mãe, posso ir brincar?
- Não! Lá fora é perigoso. Eles vão te fazer mau. Vai estudar.
Passaram-se mais alguns blocos com nomes engraçados e de repente ele não foi mais levado para aquele lugar. Ele ficava em casa sem saber porque ele não ia mais para aquele lugar. Ele ficou sem ir por um período de um bloco com nome estranho, o que ficava no meio do conjunto de blocos que formavam um todo.
Nesse período, ele começou a ver mais e mais pessoas passando pela sua janela. Ele achava que, assim como ele, aquelas pessoas não precisavam ir para os lugares que normalmente iam nos outros períodos de blocos com nomes estranhos.
Sua vontade de estar do lado de fora aumentava cada vez mais, porém ele sabia que não podia contrariar sua protetora. Algumas vezes ele havia presenciado a ira dela, para com os outros. Ele tinha medo dela, apesar de ver o lado bom que ela tinha.
- Mãe, posso ir brincar?
- Não! Já te disse mil vezes que não. Vai estudar.
Aquele período acabou e ele foi levado novamente para aquele lugar. Ele quase não falava. Sua protetora dizia que ele só deveria falar com a pessoa mais velha que ficava em pé falando ou escrevendo na parede verde. Ele não sabia porque mas obedecia.
Aquele local era misterioso. Tudo funcionava a base de sinos. Tocava um sino e todos entravam nos quartinhos. Tocava mais uma vez e a pessoa mais velha saia e entrava outra no lugar e falava de outras coisas. Tocava mais uma vez e todos saiam. Ficavam correndo feito loucos pelos corredores daquele local grande e carregando umas malinhas coloridas cheias de comidas. Ele tinha uma também. Ele queria correr também, mas não podia. Sua protetora havia lhe dito que era pra ele se comportar para que ele não se sujasse. Tocava mais um sino e todos voltavam pro quartinho e entrava mais uma pessoa mais velha e já falava outras coisas diferentes das duas outras que havia entrado antes. Mais uma vez tocava e mais uma troca acontecia. Tocava uma ultima vez e todos iam embora, na maioria da vezes com seus dois protetores maiores.
- Mãe, eu quero essa!
- Não. Voce quer essa aqui e está acabado.
Aquilo tudo era muito estranho. Ele tinha um protetor maior, mas que ele via bem pouco. Ele não entendia direito porque sua protetora não morava com ele. Era mais estranho ainda pelo fato de que seus dois protetores maiores se davam bem...
- Mãe, posso ir brincar?
- Não.
Passados mais alguns períodos com nomes estranhos, a protetora que ele sempre visitava conversou com sua protetora maior e depois dessa conversa ele foi morar naquele lugar no centro do lugar qualquer. Parece que o protetor mais velho tinha ido fazer uma viagem para um lugar muito distante e todos os que moravam naquele lugar estavam tristes, principalmente a protetora que ele gostava e a protetora mais velha.
Ele não sabia porque ele tinha que ir, mas como ele gostava daquela protetora ele ficou feliz em ir.
Diferente do lugar onde ele ficava antes, aquele novo lugar era mais agitado. Ficava no centro daquele lugar qualquer. Na frente daquele lugar tinha uma rua muito movimentada. Carros passando a todo instante. Ele quase nçao tinha como ver pessoas passando e quando via elas passavam bem rápido, como se estivessem atrasadas.
Sua nova protetora maior lhe tratava muito bem. Ela só ficava zangada quando ele não queria estudar. Mas ele acabou gostando de morar lá.
- Tia, posso ir brincar?
- Só depois de estudar.
Sua nova protetora lhe levava para passear. Eles iam, no periodo que não tinha que ir pro local onde tocava os sinos, para um lugar que tinha água, muita água e elas faziam barulho quando caiam na terra. As vezes eles iam para um lugar que a água era marrom e com gosto estranho e outras vezes iam para onde ela era azul e salgada.
Era muito divertido. No final do período de 12 blocos com nomes estranhos ela montava uma árvore que ia até o teto e colocava um monte de enfeites nela e na base colocava vários presentes que só podiam ser abertos entre um dia e outro perto do final desse último bloco de nome estranho. E nessa mesma virada de dias eles faziam uma oração e comiam bastante. No último dia desse último bloco de nome estranho eles também faziam isso, só que no lugar de presentes, soltavam foguetes e desejavam um feliz novo período de 12 blocos com nomes estranhos.
Ele ficou naquele lugar por vários períodos com 12 blocos de nomes etranhos até que seu contato com seu protetor aumentou e com ele foi morar. Ainda que estivesse morando com seu protetor ele não deixava de ir pra casa das suas duas protetoras.
No período que ele ficou na casa da sua segunda protetora ele pode ver como as pessoas eram boas! Ele estava feliz e não tinha medo dos outros. Sempre amável com todos. Não brigava. Não discutia. Não retrucava. Mesmo quando já estava maior que sua protetora ele não brigava. Diferente da primeira, por quem ele tinha medo, a segunda ele tinha uma enorme admiração e respeito. Não que ele não amasse a primeira, mas a relação dele com a segunda foi mais intensa.
No periodo que ele ficou com seu protetor as coisas ficaram tensas. Ele estava descobrindo muita coisa dentro de si. Ele teve a certeza que não era como as outras pessoas. Ele confiava em todo mundo. Gostava de todo mundo. Coisas estranhas estavam acontecendo. Ele começou a sentir coisas que ele não sentia antes. Era tudo muito novo. Ele sentiu ódio pela primeira vez. Ele viu o mau nas pessoas pela primeira vez. Algumas pessoas se aproveitaram da sua bondade e o usaram até não poder mais. Ele ficou só. Ele ficou com medo. O periodo de ir pro local com sinos havia acabado. Ele tinha que fazer um teste. Não sabia ao certo o porque e pra que, mas ele tinha que fazer.
- Quero fazer prova pra ser aquela pessoa que é ela mas ao mesmo tempo pode ser um monte de outras pessoas e que fica em cima de um lugar com madeira e que fala para outras pessoas que estão sentadas e que se veste com várias roupas e se maqueia e no fim de tudo faz reverência pros que estão sentados, que por sua vez levantam e batem a mão direita na mão esquerda.
- Não! Voce vai fazer prova pra ser aquela pessoa que senta no meio e fica ouvindo as pessoas que estão sentadas nas pontas se acusando e no fim vai decidir qual delas está certa. Aquela que analisa um monte de papel e que desconsidera tudo, até a verdade, se ela não estiver escrita no papel. Aquela que vai decidir por sua íntima convicção mas que pode tender para um dos lados dependendo das pressões externas e que pode ser contrário ao que voce acredita por causa disso.
Todos diziam a mesma coisa. Eles deviam estar certos afinal. Ele fez a dita prova. Passou de primeira. Passou o equivalente a 5 vezes o período de 12 blocos com nomes estranhos sentado fingindo que estava gostando do que a pessoa mais velha que ficava em pé escrevendo na parede, agora branca, dizia.
Nesse tempo ele se sentia frustrado. Não estava feliz. As pessoas entravam em sua vida e saiam arrancando pedaços. Ele se decepcionou tantas vezes que passou a viver num mundo paralelo onde, nesse mundo, ele podia amar e ser amado, ele podia acreditar nas pessoas, podia acreditar que podia fazer o que queria e ser feliz. Nesse tempo a sua segunda protetora também teve que fazer a viagem para o lugar distante. O chão dele terminou de ruir. Seu único porto seguro estava longe. Ele se fechou mais ainda no seu mundo particular.
Nesse tempo ele também amou alguem, e, pra variar, se decepcionou. Esse alguem pisou nele até não poder mais. Ele ficou completamente destruido. Seu mundo particular estava finalmente lacrado. A única parte que faltava entrar nesse mundo, o seu coração, finalmente cedeu e ele se trancou lá dentro. Uma barreira gigantesca foi criada. Gigantesca para que ele que estava dentro não pudesse voltar pra fora e pros que estavam fora não pudessem pular pra dentro. No fim das contas sua primeira protetora estava certa. Do lado de fora era perigoso. As pessoas iam machucá-lo, como de fato fizeram. Do lado de dentro é seguro. O preço que ele pagou por se fechar tanto assim foi altíssimo, mas, na cabeça dele, a dor que ele sofreu do lado de fora foi tão grande quanto o preço que ele teve que pagar. Valia a pena.
Agora ele está preso lá dentro e ninguem conseguiu tirá-lo de lá.
- Mãe, não quero mais brincar...



 

2 comentários:

  1. Mt bom o texto! Realmente genial. Mas achei que o final foi um pouco triste. Acho que deixaria para o menino uns recados de "3 protetores", tomara que ele goste:

    O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se,
    o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.
    - Carlos Drummond de Andrade

    A maior prisão que podemos ter na vida é aquela quando a gente descobre que estamos sendo não aquilo que somos, mas o que o outro gostaria que fôssemos.
    Geralmente quando a gente começa a viver muito em torno do que o outro gostaria que a gente fôsse, é que a gente tá muito mais preocupado com o que o outro acha sobre nós, do que necessariamente nós sabemos sobre nós mesmos.
    O que me seduz em Jesus é quando eu descubro que nÊle havia uma capacidade imensa de olhar dentro dos olhos e fazer que aquele que era olhado reconhecer-se plenamente e olhar-se com sinceridade.
    Durante muito tempo eu fiquei preocupado com o que os outros achavam ao meu respeito. Mas hoje, o que os outros acham de mim muito pouco me importa (a não ser que sejam pessoas que me amam), porque a minha salvação não depende do que os outros acham de mim, mas do que Deus sabe ao meu respeito.
    - Padre Fábio de Melo

    Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas.
    Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silencio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove.
    E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.
    - Cora Coralina

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  2. bom migo j...entendo mas tbm ja disse o que penso a respeito de todas essas coisas, num sei mais o que fazer ou dizer enquanto vc pensar dessa forma não podemoso fazer nada mais estaremos sempre do seu lado, bom fiquei muito feliz de ler mais queria ouvir de sua boca, tbm pq detesto ler no computador...algumas coisas foram muito esclarecedoras p mim...gostei de verdade e tive algumas novas ideias p mexer na estória...

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