sexta-feira, 4 de junho de 2010

América

por Allen Ginsberg

América eu te dei tudo e agora não sou nada.
América dois dólares e vinte e sete centavos 17 de janeiro de 1956.
América não agüento mais minha própria mente.
América quando acabaremos com a guerra humana?
Vá se foder com sua bomba atômica.
Não estou legal não me encha o saco.
Não escreverei meu poema enquanto não me sentir legal.
América quando é que você será angelical?
Quando você tirará sua roupa?
Quando você se olhará através do túmulo?
Quando você merecerá seu milhão de trotskistas?
América por que suas biblioteca estão cheias de lágrimas?
América quando você mandará seus ovos para a Índia?
Eu estou cheio das suas exigências malucas.

Quando poderei entrar no supermercado e comprar o que preciso só com minha boa aparência?
América afinal eu e você é que somos perfeitos não o outro mundo.
Sua maquinaria é demais para mim.
Você me fez querer ser santo.
Deve haver algum jeito de resolver isso.
Burroughs está em Tânger acho que ele não volta mais isso é sinistro.
Estará você sendo sinistra ou isso é uma brincadeira?
Estou tentando entrar no assunto.
Eu me recuso a desistir das minhas obsessões.
América pare de me empurrar sei o que estou fazendo.
América as pétalas das ameixeiras estão caindo.
Faz meses que não leio os jornais todo dia alguém é julgado por assassinato.
América fico sentimental por causa dos Wobblies. [1]

América eu era comunista quando criança e não me arrependo.
Fumo maconha toda vez que posso.
Fico em casa dias seguidos olhando as rosas no armário.
Quando vou ao Bairro Chinês fico bêbado e nunca consigo alguém para trepar.
Eu resolvi vai haver confusão.
Você devia ter me visto lendo Marx.
Meu psicanalista acha que estou muito bem.
Não direi as Orações ao Senhor.
Eu tenho visões místicas e vibrações cósmicas.
América ainda não lhe contei o que você fez com Tio Max depois que ele voltou da Rússia.
Eu estou falando com você.
Você vai deixar que sua vida emocional seja conduzida pelo Time Magazine?
Estou obcecado pelo Time Magazine.
Eu o leio toda semana.
Sua capa me encara toda vez que passo sorrateiramente pela confeitaria da esquina.
Eu o leio no porão da Biblioteca Pública de Berkeley.
Está sempre me falando de responsabilidades. Os homens de negócios são sérios. Os produtores de cinema são sérios. Todo mundo é sério menos eu.
Passa pela minha cabeça que eu sou a América.
Estou de novo falando sozinho.

A Ásia se ergue contra mim.
Não tenho nenhuma chance de chinês.
É bom eu verificar meus recursos nacionais.
Meus recursos nacionais consistem em dois cigarros de maconha milhões de genitais uma literatura pessoal impublicável a 2000 quilômetros por hora e vinte e cinco mil hospícios.
Nem falo das minhas prisões ou dos milhões de desprivilegiados que vivem nos meus vasos de flores à luz de quinhentos sóis.
Aboli os prostíbulos da França, Tânger é o próximo lugar.
Ambiciono a Presidência apesar de ser católico.

América como poderei escrever uma litania neste seu estado de bobeira?
Continuarei como Henry Ford meus versos são tão individuais como seus carros mais ainda todos têm sexos diferentes.
América eu lhe venderei meus versos a 2.500 dólares cada com 500 de abatimento pela sua estrofe usada.
América liberte Tom Mooney. [2]
América salve os legalistas espanhóis.
América Sacco & Vanzetti não podem morrer [3]
América eu sou os garotos de Scottsboro [4]

América quando eu tinha sete anos minha mãe me levou a uma reunião da célula do Partido Comunista
Eles nos vendiam grão de bico um bocado por um bilhete um bilhete por um tostão
E todos podiam falar todos eram angelicais e sentimentais para com os trabalhadores,
Era tudo tão sincero você não imagina que coisa boa era o Partido em 1935
Scott Nearing era um velho formidável gente boa de verdade
Mãe Bloor me fazia chorar certa vez vi Israel Amster cara a cara.
Todo mundo devia ser espião. [5]

América a verdade é que você não quer ir à guerra.
América são eles os Russos malvados.
Os Russos os Russos e esses Chineses. E esses Russos.
A Rússia nos quer comer vivos. O poder da Rússia é louco.
Ela quer tirar nossos carros das nossas garagens.
Ela quer pegar Chicago. Ela precisa de um Reader's Digest vermelho.
Ela quer botar nossas fábricas de automóveis na Sibéria.
A grande burocracia dela mandando em nossos postos de gasolina.
Isso é ruim. Ufa. Ela vai fazê os ìndio aprendê vermelho.
Ela quer pretos bem grandes.
Ela quer nos fazê trabalhá dezesseis horas por dia. Socorro! [6]
América tudo isso é muito sério.
América essa é a impressão que tenho quando assisto televisão.
América será que isso está certo?
É melhor eu pôr as mãos à obra.
É verdade que não quero me alistar no Exército ou girar tornos em fábricas de peças de precisão.
De qualquer forma sou míope e psicopata.
América eu estou encostando meu delicado ombro à roda. [7]
(Allen Ginsberg - Tradução e notas: Claudio Willer, em "Uivo e outros poemas", L&PM, 2006)

Notas

[1] Wobblies - corruptela de Industrial Workers of the World, o movimento operário anarco-sindicalista das primeiras décadas do século.

[2] Tom Mooney - Líder de esquerda, preso várias vezes nos anos 30 e 40.

[3] Sacco e Vanzetti - os mártires do anarquismo: militantes operários falsamente acusados de um assassinato em 1920, presos e executados na cadeira elétrica em 1927, apesar do protesto mundial.

[4] Os garotos de Scottsboro - nove garotos negros presos em 1931 no Alabama, falsamente acusados de haverem violentado uma mulher branca, originando um escândalo racista.

[5] Scott Nearing - candidato socialista à Presidência em 1919. Mãe Bloor - Elia Reever Bloor (1882-1951), líder do PC americano. Israel Amster - outro líder comunista do período que antecede a Segunda Guerra.

[6] Os parágrafos finais de América, poema coloquial, são escritos imitando a fala caipira e dos negros do sul dos Estados Unidos.

[7] meu delicado ombro - my queer shoulder, onde queer tem duplo sentido, pois quer dizer delicado, frágil, e designa o gay, a bicha, o efeminado.

 
Extraido de: http://avoidalleyecontact.blogspot.com/

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